SOBRE CRÉDITOS DE CARBONO


CRÉDITOS DE CARBONO
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Reportagem de Ana Dalla Pria
30.03.2008
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Você sabe o que são "créditos de carbono?". Essa reportagem explica o que é e como funciona essa recompensa. É um bônus, um pagamento em dinheiro, para quem usa tecnologias que ajudam a reduzir o efeito estufa no planeta.
No ano passado, a repórter Ana Dalla Pria foi visitar uma das primeiras empresas brasileiras a conquistar esses créditos.
Imagine um mundo coberto de gelo. Pois assim seria a Terra, parecida com a imagem do filme “O dia depois de amanhã”, se não fosse a atuação de alguns gases. Eles se acumulam na atmosfera, absorvem a radiação solar e mantém confortável a temperatura na superfície do planeta. Este é o chamado efeito estufa.
A ecóloga Magda Lima é pesquisadora da Embrapa Maio Ambiente, e explica que o efeito estufa só virou problema por causa da interferência do homem. “Com o crescimento das atividades humanas, uma grande concentração da gases foi sendo acumulada, de uma forma muito rápida, e assim nós temos uma absorção maior dessa radiação solar. Ou seja, nós vamos viver o aquecimento global por conta disso”.
O principal formador do efeito estufa é o CO2, o dióxido de carbono – liberado nas queimadas, por exemplo. Os grandes vilões do mundo moderno, no entanto, são os combustíveis fósseis – os derivados do petróleo, como o diesel e a gasolina que movem nossos veículos, e o carvão mineral, que alimenta as usinas termelétricas.
O desmatamento agrava ainda mais a situação, porque as árvores funcionam como filtros, retirando o CO2 do ar, através da fotossíntese. O que a humanidade vem fazendo nos últimos dois séculos é aumentar a quantidade dos poluentes ao mesmo tempo em que destrói os filtros. Há quem garanta que, se nada for feito nos próximos cem anos, parte da população da Terra não vai ter o que comer nem onde viver.
Para tentar conter o aquecimento global, em 1997, na cidade de Kyoto, no Japão, países do mundo todo assinaram um protocolo. Nele, algumas nações desenvolvidas se comprometeram a reduzir em torno de 5% a emissão desses gases até o ano de 2012.
Para facilitar o cumprimento da tarefa, o protocolo de Kyoto criou mecanismos que permitem que um país que não consiga fazer essa redução dentro de seu próprio território compre parte da cota de outros países. É o chamado mercado de crédito de carbono.
O agrônomo Marcelo Rocha, pesquisador do Cepea-Esalq (Centro de Estudos Avançados em Economia da Escola Superior de Agricultura Luis de Queiroz), é um especialista no assunto. “O crédito de carbono é resultante de um projeto que vai retirar da atmosfera o CO2, ou então evitar o lançamento na atmosfera dos gases do efeito estufa”, esclarece.
Doutor Marcelo explica ainda que o mercado de créditos de carbono tem espaço para crescer no Brasil, especialmente na área rural. “O Brasil, como não tem metas de reduzir suas emissões dentro do protocolo de Kyoto, pode então oferecer os seus projetos para esses países, desde que o seu projeto seja comprovado, seguindo um conjunto de regras e metodologias aprovadas pela ONU”.
Para conhecer um dos primeiros projetos brasileiros que conseguiu essa permissão da Organização das Nações Unidas para vender créditos de carbono, nós vamos para o litoral de Alagoas.

Experimento brasileiro
Hoje em dia, Coruripe é a terra dos canaviais. Quatro usinas plantam cana lá. A que viemos conhecer foi fundada na década de 20 e batizada com o nome da cidade. Por ano, a usina corta quase três milhões de toneladas de cana; metade vira açúcar e metade é transformada em álcool. Uma indústria do grupo também gera os créditos de carbono, que já estão sendo negociados com uma grande empresa da Inglaterra.
O coração do processo que permite a comercialização dos créditos de carbono é um sistema de geração de energia elétrica feito a partir da queima do bagaço de cana, que gera a chamada energia limpa e renovável.
O advogado e economista José Correira Barreto é procurador da usina, e explica porque essa é considerada uma energia limpa. “Ela não agride o meio ambiente. Em nenhuma hipótese, ela emite CO2 na atmosfera”, afirma. Além do mais, é um tipo de energia renovável, que não se esgota como o petróleo.
A queima do bagaço cria o vapor necessário para movimentar as turbinas, que geram 32 Megwatts de energia por hora. Com metade disso, dá pra suprir todas as necessidades da indústria e do sistema de irrigação dos canaviais; a outra metade é vendida para a empresa de energia elétrica do estado de Alagoas. As chaminés das geradoras de energia são equipadas com filtros para reter o CO2.
“Computando as três unidades que hoje são geradoras e comercializam energia, o lucro ficaria em torno de R$ 30 milhões anuais”, calcula o procurador José Correira Batista.
O crédito de carbono entra como um bônus nesse processo, e tem cálculos complexos – como explica o agrônomo Marcelo Rocha. “Hoje a gente tem a unidade que é a tonelada de CO2 seqüestrados, que deixam de ser emitidos. Isso tem um preço no mercado, em dólares. E é um mercado de balcão: significa que o comprador tem que buscar o vendedor, ou vice-versa”, ele diz. “Não é ainda um mercado que está sendo negociado em Bolsa, mas a tendência é que ele seja negociado em Bolsa. Hoje, você vai precisar de empresas de consultoria que fazem essa ponte entre o vendedor e o comprador ou bancos, que também representam certos compradores”.
No caso da usina Coruripe, a geradora de energia vai render 200 mil toneladas em créditos de carbono até 2012. O comprador da Inglaterra vai pagar em torno de US$ 15 por tonelada; o negócio deve render algo perto de R$ 6 milhões, ao longo de sete anos.
Quem credencia uma empresa como vendedora de créditos de carbono é a ONU. Mas conseguir essa certificação não é fácil nem rápido; antes mesmo de ser encaminhado para a ONU, todo o projeto tem que ser aprovado pelo governo brasileiro, que avalia se a empresa colabora para o desenvolvimento sustentável da sua região e se ela cumpre as leis trabalhistas e ambientais.
Para a usina Coruripe, o crédito de carbono traz mais do que dinheiro: ele melhora a imagem da empresa. Hoje, os clientes internacionais já exigem certificações ambientais e sociais. É bem provável que, no futuro, colaborar para a redução do efeito estufa também se torne condição para fechar um bom negócio.
Há outros projetos rurais que também podem se candidatar aos créditos de carbono – por exemplo, os reflorestamentos e as criações de suínos que transformam os dejetos em biogás, evitando a emissão de gás metano na atmosfera.



Quem será beneficiado pelos créditos de carbono?

Recursos naturais preservados podem, em breve, ser sinônimo de dinheiro e, quem sabe, da aplicação prática do conceito de desenvolvimento sustentado. Países que não têm que diminuir suas emissões de dióxido de carbono (CO2), segundo normas preliminares (ainda não ratificadas) estabelecidas pela Conferência das Partes, realizada na cidade de Quioto, no Japão, em 1997, podem desenvolver projetos com o objetivo de emitir as chamadas CERs (Reduções Certificadas de Emissões, tradução da sigla em inglês). Os CERs são derivativos financeiros, ou créditos, interessantes às empresas dos países que devem, obrigatoriamente, reduzir as emissões de CO2, o mais nocivo de todos os gases de efeito estufa. No entanto, mais do que entender esse processo, é preciso também compreender o que pode estar implícito na onda do crédito de carbono, o qual muitos teimam em chamar de commodity.
Para entender a estrutura básica desse processo, basta voltar à década de 80, quando estudos científicos passaram a levantar suspeitas de que a temperatura média do planeta estaria aumentando. A partir dessas suspeitas, o Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização Metereológica Mundial criaram o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, sigla em inglês). Foram as conclusões dos estudos do IPCC sobre mudanças climáticas que deram apoio científico à Framework Convention on Climate Changes (Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre a Mudança do Clima), a qual foi assinada por cerca de 175 países, durante a Rio 92. Com o surgimento dessa Convenção, também conhecida como FCCC, seus países signatários passaram a reunir-se periodicamente para discutir e tentar solucionar o aumento da temperatura da Terra.
Concluindo que a principal causa das mudanças climáticas pelas quais passa o planeta é o aumento da concentração de gases que provocam o efeito estufa, a Conferência das Partes chegou à proposta do Protocolo de Quioto. É nesse Protocolo que os países em desenvolvimento, e que mantêm, ao menos relativamente, preservados os seus recursos naturais, podem passar a se inspirar para desenvolver projetos visando sustentabilidade social e ambiental. Isso porque, a essência do Protocolo determina que quem polui deve assumir financeiramente as conseqüências disso. Assim, quem mais poluiu desde a Revolução Industrial (os países que hoje são chamados desenvolvidos) deverá pagar pelos prejuízos causados ao ambiente, ou compensar essa falta investindo, por exemplo, na recuperação e manutenção de áreas verdes, cuja maior parte ainda está nos países pobres.
Seqüestro do Carbono
Considerando a incalculável quantidade de dióxido de carbono já emitida por esses países no decorrer das décadas, é simples imaginar que a conta do prejuízo é bastante alta. Assim, para amenizar o seu pagamento, o Protocolo de Quioto disseminou a idéia do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e das CERs. O objetivo do MDL é a busca de alternativas de tecnologias limpas (não-poluidoras) para, por exemplo, a geração de energia, reduzindo as emissões de CO2 na atmosfera. Há também os projetos voltados para a área florestal, que devem ajudar a diminuir o CO2 presente na atmosfera pela absorção feita pela vegetação através da fotossíntese. É o que se chama de "seqüestro do carbono".
Para entender o que significam o MDL e as CERs é preciso ter clara a divisão existente entre os países, e que ficou estabelecida no Protocolo de Quioto. Eles estão divididos em dois grupos: os que precisam reduzir suas emissões de poluentes e aqueles que não estão obrigados a tais reduções. O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento que não precisam diminuir suas emissões de dióxido de carbono, pode vender essa redução através dos créditos de carbono conseguidos com as CERs.
As transações internacionais ao redor dos créditos de carbono já estão acontecendo. No início de julho, a Holanda enviou um representante do seu Ministério do Ambiente e Desenvolvimento Urbano para negociar créditos de carbono com governo e empresários brasileiros. A Holanda é um dos 39 países que estão obrigados pelo Protocolo de Quioto a reduzir, de 2008 a 2012, emissões de dióxido de carbono e outras substâncias nocivas a um índice 5,2% menor do que o índice global registrado em 1990. A iniciativa holandesa pode render 250 milhões de euros, que serão destinados à redução de 200 milhões de toneladas de carbono. É certo que os países que têm tomado a dianteira nessas transações financeiras internacionais estão em vantagem sobre os demais. Os preços da tonelada de carbono ainda não foram fixados pelo mercado.
Perigo
Até agora tudo parece estar em pleno acordo com as regras do capitalismo, porém há, ainda, muitas perguntas sem respostas. Quem são os donos, os avalistas e os auditores dos créditos de carbono? Quem será beneficiado pelos créditos? Esse modelo irá beneficiar o meio ambiente e as camadas mais pobres da população ou os empresários e donos do poder político e econômico dos países mais ricos?
Para a economista Amyra El Khalili, presidente da ONG CTA (Consultant, Trader and Adviser), o que existe hoje é, na verdade, uma grande confusão entre os conceitos de commodity ambiental e crédito de carbono. Segundo ela, um conceito nada tem a ver com o outro, e o cerne da confusão pode estar na junção das palavras "commodity" e "ambiental". A tradução ao pé da letra do termo commodity é: mercadoria, aquilo que é vendido para a obtenção de lucro, ou, ainda, aquilo que é comprado e vendido numa bolsa de mercadoria. "Uma commodity visa o lucro imediato, portanto é algo contrário ao meio ambiente, mais precisamente a sua conservação", explica a economista. "O carbono não é uma commodity porque as suas emissões têm de ser reduzidas. Se fosse uma commodity, o carbono teria de visar o lucro e, para tanto, sua emissão deveria ser incentivada. Quanto mais toneladas de carbono fossem emitidas, maior seria o seu preço de mercado". Por essas razões, o tal seqüestro de carbono tem de ser entendido como um processo e não como uma commodity.
Khalili explica que unir as palavras commodity e ambiental não é tarefa fácil. "Os beneficiários, que são os países em desenvolvimento, têm de estar no topo da discussão. Só vamos conseguir fazer uma commodity ambiental quando se resolver o problema da exclusão social existente principalmente nos países pobres", avalia a economista. Para ela, o proprietário da commodity ambiental tem de ser a comunidade, o povo, a nação, e deve visar o "lucro social", a criação de um ambiente sustentado e equilibrado entre necessidades humanas e conservação de recursos naturais.
Os produtos que resultam de projetos para a conservação de recursos naturais (como a madeira), e cujo público beneficiado é a própria comunidade responsável pelo seu manejo, pode ser considerado uma commodity ambiental. Ela também pode ser financeira quando beneficia um grupo de empresários ou uma empresa. Porém, Khalili enfatiza que a ambiental deve estar sempre na base de sustentação da estrutura da commodity financeira. "O mundo todo já tomou o rumo da degradação seguindo este sistema. Há exclusão social e fome por toda a parte. Há fraudes e corrupção nas maiores empresas do mundo. Se o mercado financeiro internacional está falido, porque devemos continuar acreditando neste modelo?"
Até agora, o que se tem feito com relação à comercialização de créditos de carbono é o inverso disso. Os créditos são títulos que podem favorecer empresários especuladores do mercado financeiro de países pobres ou ricos. Os excluídos correm o risco de ficar de fora desse processo. "Nossos recursos naturais não podem ser comercializados como créditos de carbono. É preciso esclarecer quem vai ser responsável pelo controle desse mercado. A sociedade e a mídia precisam participar desse debate, e exigir que as commodities ambientais não tomem o rumo da simples repetição e perpetuação de um modelo econômico e financeiro falido, no qual o bem maior é o dinheiro e não a qualidade de vida", conclui a economista.
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